Teresina entre 1973 e 1974
10/4/2015 – Atualizado em: 17/2/2017
Os anos 1970 foram atípicos para o Piauí, principalmente na capital Teresina. Foi nessa década, em pleno fervor do Milagre Econômico, que somas assombrosas de dinheiro chegaram ao estado, muitas delas de natureza duvidosa. Nossos governantes acreditavam, dessa forma, que retirariam o estado do atraso e levantariam um pouco da autoestima do piauiense com eventos nunca antes vistos por essas bandas – como o I Circuito Automobilístico do Estado do Piauí – e obras faraônicas, embora a população continuasse em condições precárias de vida e até mesmo em situação miserável.
Elencamos dois anos desse período – os anos de 1973 e 1974 – para exemplificar um pouco do que aconteceu em Teresina.
Vista parcial aérea da cidade de Teresina.
(1973-1974 / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Principal área da cidade
Aqui vê-se uma panorâmica aérea da capital datada de 1973 ou 1974. A região focada é a central, próxima à Praça Marechal Deodoro (Bandeira) na beira do Rio Parnaíba. Desde 1852 essa era uma das principais áreas da cidade e só a partir da década de 1990 é que perdeu um pouco de destaque para uma parte considerável da Zona Leste.
Apenas por esta imagem é possível deduzir várias coisas sobre a capital piauiense. A primeira delas é a presença do prédio do Edifício das Repartições Fazendárias ao lado da Igreja do Amparo. Na imagem é possível ver que ainda estava em construção (Há outros edifícios também sendo construídos). Em seu lugar ficava o antigo prédio da Secretaria de Fazenda, uma das edificações dos primórdios da capital. Sua demolição correspondeu ao ideal modernizante do Governo Alberto Silva (1971-1975), mas que significou um crime contra a antiga Teresina.
Chama a atenção também a presença marcante do Rio Parnaíba com sete pequenas embarcações. Elas ainda hoje são visíveis no rio, cada dia menos navegável. O que não é mais possível ver é o cais. Foi destruído para dar lugar a uma vegetação que protege as margens do Parnaíba.
Ao contrário de muitas imagens de Teresina das décadas anteriores, já se pode notar as ruas do Centro asfaltadas com destaque para a Avenida Maranhão. A empreitada só foi possível com a instalação da primeira fábrica de asfalto, em 1968. Na época foi um grande progresso tendo em vista que as ruas sem esse tipo de pavimentação associavam a capital à ideia de atraso em relação às outras cidades do Brasil. Era uma novidade e por este fato muitos teresinenses estranharam. Alguns, acertadamente, diziam que aumentaria o calor da cidade.
Lavadeiras embaixo da Ponte Nova à beira do Rio Parnaíba.
(1974 / Colombo Cine Foto Produções / Teresina 1852-2002 / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: Paulo Gutemberg)
Aspectos gerais
Situada no chamado Polígono das Secas e na faixa vegetativa de transição para a Amazônia conhecida como Mata dos Cocais, a área municipal de Teresina compreendia de 1809 km² indo do Riacho dos Cavalos e povoado Meruoca no norte até os povoados Santa Teresinha e São Francisco no sul. Fazia limites com os municípios de União, José de Freitas, Altos, Demerval Lobão, Monsenhor Gil, Palmeirais e Timon (Maranhão).
A população, segundo o Censo de 1970, era de 230.168 habitantes. A maioria vivia na zona urbana que nessa época ia do Buenos Aires e Poty Velho, na Zona Norte, até o Parque Piauí, na Zona Sul. A Zona Leste ainda tinha muitos sítios e chácaras e eram considerados como pertencentes ao perímetro urbano apenas os bairros Jóquei, Fátima, Noivos, São Cristóvão e Ininga.
Grande parte dos moradores era bastante pobre e muita gente vivia debaixo da Ponte Metálica, Ponte JK, Ponte Ferroviária e da Ponte Nova, as únicas existentes até então. Em muitos lugares da cidade ainda não havia água encanada e por esse motivo se via muitas pessoas lavando roupa nos rios e em lagoas, hábitos bem interioranos.
Como se disse anteriormente, existiam poucos carros e motos. Ônibus coletivos também eram escassos e muitos bairros periféricos tinham apenas um circulando para servir os moradores. O meio de transporte mais utilizado pelos teresinenses era a bicicleta, sendo que a proporção era praticamente de uma para cada habitante. Por esses anos, animais e carroças seguiam disputando espaço com automóveis em bairros afastados e até em locais movimentados como a Avenida Frei Serafim, mais exatamente no trecho da Ponte JK. Nem precisa mencionar os transtornos que causavam.
Inauguração do estádio Albertão em 26 de agosto de 1973.
(1973 / Acervo da FAGEP / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Inaugurações e reformas
Os anos de 1973 e 1974 foram terreno fértil para inúmeras obras. A primeira e mais grandiosa foi o estádio Albertão, inaugurado em 26 de agosto de 1973 com o jogo Tiradentes x Fluminense (RJ) válido pelo Campeonato Nacional de Clubes (Atual 17ª edição do Campeonato Brasileiro de Futebol).
Infelizmente, aos 25 minutos do primeiro tempo a partida foi interrompida devido ao tumulto nas arquibancadas em decorrência de um falso aviso dado por algum irresponsável de que o estádio estava caindo. A versão mais famosa diz que o avião que levava o presidente da CBD, João Havelange, havia passado pelo estádio nesse instante e o barulho foi confundido com desabamento. Oficialmente cinco pessoas morreram e várias ficaram feridas. Nunca se descobriu realmente quem teria emitido o boato.
Prédio da CEPISA e entorno em 1973.
(1973 / Acervo da CEPISA / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Em 1974, por iniciativa do Governo Alberto Silva, se iniciaram as reformas do Theatro 4 de Setembro e da Praça Pedro II que se estenderam até o ano seguinte. Com as reformas os locais ficaram descaracterizados. O teatro internamente, e a praça perdeu o aspecto que tinha durante o Centenário de Teresina, não permitindo mais aglomerados humanos e espetáculos públicos comuns até então.
Também nesse período se inaugurou o prédio da CEPISA (Centrais Elétricas do Piauí S.A.), na Avenida Maranhão, em formato que lembrava um gerador de energia, projeto de autoria do arquiteto mineiro Antonio Luiz Dutra de Araújo, fundador da Maloca Arquitetura. Nesse local funcionou a antiga Usina Elétrica movida a queima de lenha das matas próximas ao Rio Parnaíba. Tal fato devastou boa parte da vegetação nativa da região.
No âmbito municipal, a Prefeitura instalou posto médico no bairro Matadouro, abriu vias e asfaltou avenidas em Teresina. Em 1973 receberam pavimentação asfáltica as avenidas Nossa Senhora de Fátima e Higino Cunha. No mesmo ano foram abertas estradas de piçarra como a da Socopo à Santa Rosa (Localizadas na Zona Norte, nessa época eram áreas rurais) que em 1994 ganhou o nome de Avenida Dr. Josué de Moura Santos, a estrada entre os povoados Angelim e Fazenda Nova, e um trecho ligando os povoados Saco, Lagoa Nova e Baixão de Areia hoje pertencentes ao município de Nazária.
Esporte Clube Flamengo que conquistou o Torneio Início de 1973.
(1973 / Acervo de Deusdeth Nunes “Garrincha” / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Futebol
Com a inauguração do Albertão estava aberta, depois de muito tempo, uma vaga aos clubes de futebol do Piauí para o Campeonato Nacional. Seria dada não para o vencedor do Campeonato Piauiense, mas sim pelo estranho Torneio Seletivo, tal qual em alguns estados do Brasil. Quem conquistou os torneios de 1973 e 1974 foi a Sociedade Esportiva Tiradentes, equipe teresinense da Polícia Militar que nessa época havia montado um bom time contando com o goleiro Toinho (Futuro campeão Brasileiro pelo São Paulo em 1977), o atacante Sima (Um dos maiores artilheiros do futebol brasileiro) e jogadores de outros estados como Caio Cambalhota que havia atuado no futebol carioca. O Tigrão fez uma boa campanha no Brasileirão e ficou em 19º lugar em 1973, na frente de Flamengo e Fluminense cariocas, e no 25º lugar em 1974.
A nível estadual, o Flamengo teresinense venceu o Torneio Início 1973, o River conquistou o Campeonato Piauiense de 1973 e o Tiradentes o de 1974.
Prefeitura Municipal
Desde 1971, o engenheiro e militar Joel da Silva Ribeiro ocupava o cargo maior da Prefeitura Municipal. Como nessa época foram suprimidas as eleições para prefeitos nas capitais e outras grandes cidades do Brasil, havia sido nomeado pelo Presidente da República para um mandato de quatro anos a se encerrar em 1975.
A sede municipal ficava localizada no Edifício Deolindo Couto, na rua Firmino Pires (Centro). Só em 1984 é que se transferiu para o Palácio da Cidade, lugar que funcionou décadas atrás como Escola Normal. Nesse tempo Teresina tinha 11 vereadores e um pouco mais de 52 mil eleitores.
Chacina do Posto King
Teresina ainda era uma cidade provinciana, ansiosa por uma modernidade galopante que viria, porém, tardiamente. E como muitas desse tipo, as pessoas ainda resolviam alguns problemas na base da agressão física ou mesmo na bala, de revólver em punho.
E foi em pleno Zé Pereira de Carnaval que aconteceu um desses crimes que chamou a atenção de toda a cidade. José Maria Chaves, famoso empresário do ramo de doces no Piauí, era procurado pela Justiça por crime de pistolagem. Em 14 de fevereiro de 1974, encontrava-se bebendo em uma churrascaria do Posto King, instalação de combustíveis ainda hoje existente na Avenida João XXIII bem próximo à Ponte JK. Três delegados foram entregar um mandado de prisão ao empresário que, temeroso, terminou assassinando-os na hora.
Dias depois, o advogado Rennê dos Santos Rocha, que se encontrava em companhia do empresário no momento do triplo homicídio, foi executado pelo policial civil conhecido como Pé de Vinvim em seu próprio escritório no Centro, ao lado da antiga LOTEPI (Loteria Esportiva do Piauí) na rua Simplício Mendes.
José Maria Chaves é absolvido em um estranho julgamento que depois foi anulado. Envolveu-se em outra confusão em Teresina, mas dessa vez fatal: em 1979, depois de baderna e quebra-quebra em um prostíbulo no bairro São Pedro, foi morto a tiros por uma guarnição da Rádio Patrulha da Polícia Militar.
Jurados e público no II Festival de Música da FUFPI no Teatro de Arena.
Da esquerda para a direita: Pierre Baiano, (?), (?), (?) e Silizinho.
(1974 / Acervo de Laurenice França / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Música
Constantemente o Piauí ficava de fora do circuito de apresentações de artistas de renome no Brasil. Por causa disso, em 1973 acontece o I Festival de Música da FUFPI (Fundação Universidade Federal do Piauí) inspirado nos festivais de música da MPB no sul do país.
Nesse evento, organizado pelo Departamento de Artes, um grande público prestigiou músicos locais executando suas próprias composições como Ana Miranda, Assis Davis, Laurenice França, Geraldo Brito, Chagas Vale, Aurélio Melo, entre outros. A primeira edição ocorreu durante a Jornada Universitária, no SESC Ilhotas, em meio a palestras e outras atividades, e o compositor Assis Davis saiu vencedor com a música Não existo. Em 1974 já acontece no Teatro de Arena, na Praça Marechal Deodoro (Bandeira), perante vários espectadores.
Piauí em 1974.
(1974 / Arquivo Nacional / Acervo digital Teresina Antiga / Voz: Cid Moreira)
Turismo
O primeiro governo Alberto Silva tentou impulsionar o turismo no Piauí principalmente através da criação da PIEMTUR em 1971. Por meio desse órgão chegou a patrocinar o filme Guru das Setes Cidades e um vídeo promocional do Arquivo Nacional, em 1974. Este último mostrava cenas em cores dos pontos turísticos do estado como o recém-inaugurado Monumento da Batalha do Jenipapo (Campo Maior), além do Parque Nacional de Sete Cidades (Piracuruca) e do litoral piauiense (Parnaíba e Luís Correia).
Teresina não ficou de fora e é mostrada primeiramente em uma tomada aérea cuja região focada nas imagens é a do Centro. Da capital são exibidas também cenas do Hotel Piauí (Atual Luxor Piauí Hotel), da Praça Marechal Deodoro (Bandeira) – com seus jatos jorrantes de água, logradouro de onde se vê por um momento o Edifício das Repartições Fazendárias sendo construído -, e o prédio do Banco do Estado do Piauí. Também uma partida de futebol no Albertão entre Tiradentes e América (MG) que, embora disputada em 1974, era válida pelo Brasileiro de 1973.
O Governo do Estado aproveitou claramente a deixa para mostrar os supostos avanços que deu ao Piauí, em especial Teresina, como o campus da UFPI na Ininga, o Instituto de Educação Antonino Freire, a Ponte Nova sobre o Rio Parnaíba, e as rodovias com pavimentação asfáltica: a do Vale do Parnaíba (PI-112, antiga PI-2, que dá acesso a União) e a do Babaçu (PI-113, antiga PI-13, com acesso até José de Freitas).