Guru das Sete Cidades (1972)

23/4/2015

Onde mais é possível reunir, em uma mesma produção cinematográfica, turismo piauiense, hippies, gangs em motocicletas e bugres, e um guru místico tresloucado? A mistura, embora impensável, se concretizou em uma antiga produção, faz muito tempo esquecida.

O Governo do Estado, na primeira gestão de Alberto Silva (1971-1975), pretendia bancar um filme que mostrasse alguns dos pontos turísticos do Piauí. A ideia era divulgá-los em todo o Brasil e até mesmo no exterior. Seria uma espécie de “propaganda governamental indireta”. A produção que teve essa proeza foi Guru das Sete Cidades, do diretor Carlos Roberto Bini, talvez o primeiro longa-metragem rodado no estado.

Cartaz do filme Guru das Sete Cidades.
(1972 / Autor: Euclides Marinho)

Evidentemente que o Parque de Setes Cidades e outros pontos turísticos foram apenas pretextos para o filme, pois a história poderia muito bem acontecer sem eles. Sem contar que a produção tem alguns problemas: erros de continuidade como os atores estando ora em Teresina, ora em Parnaíba em uma velocidade espantosa; muitas cenas sem sentido (Motos vagando em demasia pelo litoral piauiense); e a demora da aparição do guru (Só após longos 24 minutos) e do parque (Nos primeiros minutos e depois só se vê aos 45 minutos!). Mas as imagens valem pelo registro histórico e fílmico das cidades do Piauí, principalmente Teresina.

Bini havia trabalhado com a temática hippie no anterior Geração Bendita. Gravado em 1970 e exibido em pouquíssimos locais nesse mesmo ano, Geração Bendita sofreu com a censura em vigor. Foi só liberado em 1973, com cortes e um novo nome: É isso aí, bicho!. Já Guru das Sete Cidades teve dinheiro e apoio governamental e, portanto, contou com mais recursos que a anterior produção do diretor e não sofreu com a censura.

Lobby card do filme Guru das Sete Cidades Cena na Praça do Fripisa.
O prédio branco no fundo é a antiga Escola Técnica Federal do Piauí.
No lado direito, o prédio da Escola Técnica de Comércio Professor Felismino Weser.
(1972 / Banco de Conteúdos Culturais da Cinemateca Brasileira / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d) 

O longa, do gênero teen exploitation, faz referência à facilidade com que a juventude é seduzida por pessoas de índole duvidosa. A história gira em torno de uma seita que realiza sacrifícios humanos. Seu líder é um guru fanático. Paralelamente há outra trama, que envolve um casal com evidente diferença de idade. Vivem brigando, fato agravado quando Rubens, um rico empresário de carnaúba e seus derivados, descobre que sua esposa Solange, cobiçada por muitos homens da cidade (Parnaíba), tem um amante – Beto, um dos hippies. É o próprio Beto que a apresenta à louca seita em Sete Cidades, a mesma que mata Rubens.

No Piauí, Guru das Sete Cidades teve cenas gravadas na capital e mostra em cores as ruas, as edificações e até um pouco dos costumes dos teresinenses no início da década de 1970. Gravações foram feitas também no município de Campo Maior e, segundo os créditos, aconteceram na Fazenda Santa Alice. Porém, boa parte da trama se passa mesmo em Parnaíba e Piracuruca (Com raras imagens da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo e da praça), esta última onde fica o Parque de Sete Cidades, que dá nome à produção.

Lobby card do filme Guru das Sete Cidades Cena na Praça do Fripisa.
A edificação branca ao fundo é a antiga sede do Fripisa, no centro da praça.
(1972 / Banco de Conteúdos Culturais da Cinemateca Brasileira / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)

Criado em 1961 e transformado em Parque Nacional em 1979, ficou famoso devido ao austríaco Ludwig Schwennhagen, popularmente conhecido na região como Ludovico Chovenágua, a quem os teresinenses chamavam equivocadamente de alemão por causa do nome germânico. Chegou em Teresina na década de 1920 (Foi professor de Latim no Liceu Piauiense) e defendeu anos depois a tese de que navegadores fenícios teriam habitado e feito as inscrições rupestres de Sete Cidades a partir de 1100 a.C.

A produção de Bini entra na onda dessa tese meio estranha do austríaco. Tanto que, logo nos primeiros segundos, aparecem imagens do parque com narração em off falando dos fenícios na região.

Créditos iniciais do filme Guru das Sete Cidades em Teresina.
(1972 / Guru Produções Cinematográficas / Imagens: Canal Brasil)

Em seguida já surgem os créditos iniciais. O ambiente já é outro: a Teresina setentista. Uma gang – em motos e em um bugre – irrompe a rua Senador Teodoro Pacheco, perceptível porque ao fundo vê-se imponente a Igreja São Benedito. As vestimentas dos pedestres e as antigas placas de “PARE” indicam claramente que se está a décadas de distância. Kombis e Rurais estacionadas revelam um dia movimentado na capital.

Ainda se veem os créditos e a gang está agora na Avenida Frei Serafim. Chama a atenção ver carros estacionados em ambos os lados da via, algo impensável nos dias de hoje. As motos surgem agora em uma rua do Centro (Não identificada) e depois na Avenida Antonino Freire – mais uma vez a Igreja São Benedito no fundo -, passando pela antiga Casa de Antonino Freire (Ficava defronte ao Karnak. Demolida, virou estacionamento) até chegar no Cine Rex (Na Praça Pedro II) com um flagrante amontoado de pessoas quase se acotovelando na parca sombra. Curioso notar que a Farmácia, que hoje fica ao lado desse antigo cinema de rua de Teresina, era uma edificação azul em 1972 tendo portas de madeira em formato de arcos com características dos primórdios da cidade. Atualmente está descaracterizada, exceto na parte lateral superior onde é possível ver, com alguma dificuldade, ornamentos antigos.

O percurso dos motoqueiros continua na rua Eliseu Martins. Em segundo plano, os fundos da Igreja do Amparo e do prédio da Caixa Econômica Federal (Agência da Praça Rio Branco), quase encobrindo o Luxor Hotel (Hotel Piauí). Não é possível ver ainda o novo Edifício das Repartições Fazendárias. Aparentemente não haviam ainda iniciado as construções.

Cena do filme Guru das Sete Cidades em Teresina – Praça do Fripisa.
(1972 / Guru Produções Cinematográficas / Imagens: Canal Brasil)

Outro bloco e mais cenas da capital. Soninha, em trajes estudantis, corre apavorada das motos e do bugre da gang. O cenário é a Praça Demóstenes Avelino, popularmente conhecida como Praça do Fripisa. Diferente de hoje, o local tem pouca gente, poucos carros. O logradouro não parece uma praça mesmo. Está cheia de areia e pedras, e grama alta em alguns pontos revelando o pouco cuidado. Perceptíveis também os prédios da antiga Escola Técnica Federal (Hoje IFPI), da Biblioteca Pública Estadual Desembargador Cromwell de Carvalho (Ganhou esse nome só em 1974. Funcionou aí o antigo Grupo Escolar Demóstenes Avelino e a antiga Faculdade de Direito do Piauí), e o de onde hoje funciona a Servemplac (Antigamente funcionava aí a Escola Técnica de Comércio Professor Felismino Weser).

A continuação é na Praça Landri Sales, onde se nota a existência de algo que parece ser uma lagoa, atualmente não mais presente. Renato está paquerando Soninha tendo ao fundo o prédio do Liceu Piauiense (Colégio Estadual Zacarias de Góis).

Cena do filme Guru das Sete Cidades em Teresina – Praça Landri Sales.
(1972 / Guru Produções Cinematográficas / Imagens: Canal Brasil)

A última cena do Guru das Sete Cidades em Teresina é na Avenida Frei Serafim. A câmera foca a Igreja São Benedito e segue o Opala que leva Beto e seus comparsas hippies até um ponto famoso da cidade nos anos 1970: o Bar Avenida, repleto das típicas “cadeiras espaguete”. Na principal via da cidade desde então, observa-se mais uma vez Fuscas, Kombis, Rurais, caminhões e ônibus coletivos, estes com modelos já fora de circulação nos dias atuais.

Diferente dos créditos iniciais, agora se percebe claramente as obras no canteiro central e muitos trabalhadores vestidos de laranja. Muito provavelmente era para a inserção futura das velhas fontes luminosas de água (Os jatos jorrantes) que embelezavam a avenida, mas que também desperdiçavam bastante água, além de ser um evidente foco do mosquito da dengue.

E bem no final do vídeo, quando um homem que espia Beto pega o táxi, a cena revela no fundo a imagem da antiga torre do relógio erguida em 1970 pela Prefeitura Municipal de Teresina, gestão de Haroldo Borges.

Cena do filme Guru das Sete Cidades em Teresina – Avenida Frei Serafim.
(1972 / Guru Produções Cinematográficas / Imagens: Canal Brasil)

No elenco de Guru das Sete Cidades estavam nomes conhecidos da época: os atores Paulo Ramos, Angelito Mello e Wilson Grey. Todos interpretaram vários personagens no cinema e em produções da TV Globo – novelas e humorísticos como Os Trapalhões. Faziam parte também do cast a atriz Rejane Medeiros, o grupo musical Spectrum, o ator Otávio Terceiro, como o guru, e muitos outros que trabalhavam dobrado agindo na frente e atrás das câmeras, talvez para diminuir os custos.

A estreia do filme foi no Cine Odeon, na Cinelândia, cidade do Rio de Janeiro. Consta também que fora exibido no Cine Teatro Éden (Parnaíba), no Cine Rex (Teresina), e até na Alemanha e na Suíça. Embora tenha sido registrado como drama e comédia, a produção teve censura de 18 anos devido às cenas de nudez da atriz Rejane Medeiros, à linguagem chula em alguns momentos, e à temática de sacrifícios humanos e magia negra. Não fez tanto sucesso nacional, mas é hoje considerado obra cult. No Piauí, ganhou uma paródia: O Guru das Sexy Cidades, de Antônio Noronha Filho.

Outros lobby cards do filme GURU DAS SETE CIDADES
(Clique nas imagens para ampliar)

Filme: GURU DAS SETE CIDADES
Ano: 1972
Tipo: Drama/comédia
Duração: 85 minutos
Direção, roteiro e argumento: Carlos Bini
Elenco: Paulo Ramos (Beto), Rejane Medeiros (Solange), Angelito Mello (Dr. Rubens), Otávio Terceiro (Guru), Rosângela Alves (Soninha), Roberto Bustamante (Renato), Wilson Grey (Fininho), Antonio Severo Neto (Negão), Luiz Fernando da Veiga Rabello (Meio Quilo), Sidnei Loureiro (Dr. Jofre), José Pinheiro de Carvalho (Delegado);
Locais de gravação: Piauí (Teresina, Campo Maior, Parnaíba e Piracuruca) e Rio de Janeiro (Rio de Janeiro)
Companhia produtora: Guru Produções Cinematográficas
Produção: José Pinheiro de Carvalho
Direção de produção: Sidnei Loureiro
Direção de fotografia: Hélio Silva
Assistência de direção: José Carlos Thruller Ruiz
Coreografia: Regina Branco
Técnico de som: José Tavares
Conjunto musical, trilha sonora e música original: Spectrum (Nova Friburgo)
Montagem: João Ramiro Melo
Apoio: PIEMTUR / Governo do Estado do Piauí.