O Terror da Vermelha (1972)
13/8/2020
O filme
Conhecida como uma das principais filmagens em super-8 já feitas na capital piauiense, O Terror da Vermelha foi exatamente a última produção cinematográfica de Torquato Neto, logo após Adão e Eva: Do Paraíso ao Consumo. Buscava mais uma vez romper com a linguagem, tentando criar um “mundo novo” através do seu “cinema sem palavras”.
Sua louca empreitada, no entanto, acabou mesmo por revelar os seus próprios conflitos internos e externos, além de uma mente profundamente perturbada. Tudo isso culminaria em seu suicídio, em 1972, no Rio de Janeiro, alguns meses depois das gravações da película.
Cartaz do filme (1972)
Da mesma forma que David Vai Guiar, O Terror da Vermelha é repleto de simbologias, não apresenta uma sequência “começo, meio e fim” e chega a causar certo incômodo a quem assiste, principalmente aos acostumados com produções comerciais, sendo interessante apenas pelo registro das imagens da Teresina setentista. Possui erros de continuidade (Em um take os atores estão com uma roupa e imediatamente depois aparecem com outra. Era explicável, uma vez que essa não era a preocupação de seus realizadores) e uma gafe em um letreiro inserido na edição final ao considerar João Clímaco D’Almeida (“Joqueira”) como governador quando se sabe que o Governo do Estado estava em mãos do parnaibano Alberto Silva desde março de 1971.
Não possuindo uma sequência linear e nem um enredo significativo, se percebe pelo menos um personagem central. Trata-se de um serial killer (Interpretado por Edmar Oliveira, hoje psiquiatra no Rio de Janeiro), que percorre Teresina matando algumas pessoas sem motivo algum. O gesto pondo os dedos nos lábios denuncia uma versão do personagem Michel Poiccard (O ator Jean-Paul Belmondo) em Acossado (1960), do diretor Jean-Luc Godard.
Tais referências (Mortes gratuitas e o cinema “inteligentinho” de Godard) já anunciam o que há de pior nos dois filmes: transgressão dos costumes tradicionais, rebelião juvenil e comportamento desregrado (Nota 1).
Cena na Estação Ferroviária de Teresina.
Obs.: originalmente esse trecho tem partes das músicas “The Story In Your Eyes”, da banda Moody Blues,
e “Willie The Pimp”, de Frank Zappa. Removemos para evitar bloqueio do vídeo.
(1972 / Acervo digital Teresina Antiga)
Teresina no filme
Logo nas cenas iniciais já vemos um momento que, nos anos 1970, era habitual aos teresinenses: frequentar as coroas dos rios (No filme, seria o rio Poti onde aparecem Geraldo Cabeludo e Conceição Galvão sendo observados à distância). Tratava-se de um espaço de sociabilidade o mais variado possível em que se poderia nadar, jogar futebol, conversar, paquerar, levar a família, consumir bebidas alcoólicas etc.
Mais adiante o serial killer “mata” uma moça na Praça João Luís Ferreira. Esse logradouro não era muito movimentado como nos dias de hoje e chama a atenção as casas nos arredores, algumas com os famosos arcos ogivais como a edificação presente em uma das esquinas da rua Eliseu Martins com David Caldas. Na mesma rua Eliseu Martins vemos ao fundo o prédio do antigo BEP (Hoje uma das agências do Banco do Brasil) e rapidamente na rua Sete de Setembro e encoberta pelas árvores da praça, a casa da Dona Carlotinha, edificada no século XIX e tombada em 1992.
Cena na Praça João Luís Ferreira.
Obs.: originalmente esse trecho tem a música “Halo of Flies”, da banda Alice Cooper.
Removemos para evitar bloqueio do vídeo.
(1972 / Acervo digital Teresina Antiga)
Em seguida surge a Praça Landri Sales onde aparece parcialmente o Liceu Piauiense e também Torquato Neto sentado em um dos bancos da praça lendo jornal. Mas a cena mais significativa e demorada é na antiga Estação Ferroviária com um embate entre o serial killer e Etim (Hoje pesquisador da Fiocruz no Rio de Janeiro). Nesse local e por essa época não haviam sido rebaixados ainda os trilhos sendo assim possível ver vagões dos velhos trens da extinta RFFSA.
Embora se diga que o filme tenha cenas na Vermelha (Zona Sul), justificando assim seu nome, não foi possível reconhecer nenhum local desse bairro (Nota 2). Nos anos 1970, era uma área com muitos comércios, mas também residencial e com algumas ruas esburacadas e sem um posto de saúde.
Cena no Liceu Piauiense e na Praça Landri Sales.
Obs.: originalmente esse trecho tem a música “Desperado”, da banda Alice Cooper.
Removemos para evitar bloqueio do vídeo.
(1972 / Acervo digital Teresina Antiga)
Demais cenas de Teresina identificadas incluem a Igreja São Benedito e outras bem rápidas da Ponte Metálica, da Avenida Frei Serafim, do Palácio de Karnak (Em obras), do Bar Carnaúba (Ficava ao lado do Theatro 4 de Setembro) e do Hospital Getúlio Vargas (Com Paulo José Cunha, primo de Torquato, hoje jornalista em Brasília com passagens pela TV Globo nos anos 1980).
Há também trechos da novela Na Idade do Lobo (Do diretor Sérgio Jockyman, exibida pela TV Tupi entre março e setembro de 1972) que foram gravados no momento que passava em uma televisão analógica, provavelmente uma retransmissão da TV Ceará que emitia sinal para a capital piauiense nessa época (Nota 3). As cenas em questão são da abertura e dos atores Carlos Alberto (Contracenando com uma atriz, talvez Bete Mendes) e Stênio Garcia. Tratam-se de fragmentos raros, pois só existe o primeiro capítulo dessa novela no Banco de Conteúdos Culturais da Cinemateca Brasileira. A sua presença no filme demonstrava que, de alguma forma, já existia o interesse dos teresinenses por esse gênero televisivo.
Cena da novela Na Idade do Lobo.
Obs.: originalmente esse trecho tem a música “Halo of Flies”, da banda Alice Cooper.
Removemos para evitar bloqueio do vídeo.
(1972 / Acervo digital Teresina Antiga)
Versões
O Terror da Vermelha foi filmado inteiramente em Teresina, pois uma dentre as inúmeras intenções de Torquato Neto era mostrá-la de maneira afetiva. Nunca chegou a ver o filme montado com então 26 minutos de duração (Sem os créditos iniciais e finais), tendo consumido precisamente oito rolos de super-8 (Cada rolo do formato equivalia a 3 minutos e 20 segundos).
Essa duração, porém, é baseada em uma das duas versões que o filme ganhou (Nota 4). Trata-se da mais conhecida, feita por Carlos Galvão, que foi também um dos câmeras. Nesta versão, as músicas são todas de artistas internacionais como Jimi Hendrix (Apenas a parte instrumental de C. Blues), Alice Cooper (Halo of Flies e Desperado), Moody Blues (After Camp, The Story In Your Eyes e Procession), Frank Zappa (Willie The Pimp) e Gentle Giant (Three Friends).
Cena do Bar Carnaúba.
Obs.: originalmente esse trecho tem a música “Desperado”, da banda Alice Cooper.
Removemos para evitar bloqueio do vídeo.
(1972 / Acervo digital Teresina Antiga)
Fez a montagem baseado em um poema-roteiro de Torquato Neto chamado de VIR-VER-OU-VIR (Nota 5). Esse poema aparece inteiramente nos créditos iniciais e finais inseridos depois numa edição em VHS do próprio Carlos Galvão que mais tarde foi vertida em DVD pela Sinttese Digital.
A outra versão, menos conhecida, foi realizada por Ana Maria Duarte (Esposa de Torquato) também se baseando no mesmo poema e exibida em uma mostra em 2001. As músicas de fundo alternam entre a trilha sonora de Enio Morricone para os faroestes do diretor italiano Sergio Leone – o qual Torquato era aficionado -, e artistas como Caetano Veloso (Mamãe Coragem), Ritchie Valens (La Bamba), Elvis Presley (The Girl I Never Loved) e Jards Macalé (Let’s Play That).
Vale ressaltar que a única montagem que se encontra em plataformas de compartilhamento de vídeos (Como Youtube e Dailymotion) continua sendo a primeira realizada por Carlos Galvão.
Filme: O TERROR DA VERMELHA.
Ano: 1972.
Local: Teresina (Piauí).
Direção: Torquato Neto.
Elenco: Edmar Oliveira, Geraldo Cabeludo, Conceição Galvão, Torquato Neto, Claudete Dias, Etim, Durvalino Couto, Paulo José Cunha, Herondina, Edmilson, Carlos Galvão, Xico Ferreira, Arnaldo Albuquerque, e Heli e Saló (Pais de Torquato).
Roteiro: Torquato Neto.
Câmera: Carlos Galvão e Arnaldo Albuquerque.
Versões/Montagem: Carlos Galvão (Primeira) e Ana Maria Duarte (Segunda).
Duração (Versão de Carlos Galvão): 26 minutos (Sem créditos) / 31min55s (Com créditos).
Situação: Conservado.
Notas:
(1) Por esse motivo não compactuamos com essas produções uma vez que buscam a destruição dos valores tradicionais do Ocidente querendo a construção de um “novo homem” e ainda mais beirando o niilismo.
(2) Curiosas são muitas das resenhas do filme Brasil afora que têm a afirmativa “pelas ruas do bairro Vermelha” dando a entender que se passa integralmente nesse local. De cara se nota que foram feitas por pessoas que não conhecem Teresina ou nunca pisaram na capital.
(3) A TV Clube de Teresina entrou oficialmente em operação em 3 de dezembro de 1972.
(4) Quem viu as duas montagens garante que há cenas ausentes em um e no outro, mas com o mesmo resultado final.
(5) Esse poema-roteiro foi publicado na segunda edição de Os Últimos Dias de Paupéria (Livro organizado por Wally Salomão e Ana Maria Duarte), em 1982, e se deduz que a versão de Carlos Galvão se deu na década de 1980 ou depois. Porém, algumas fontes afirmam que a montagem de Carlos Galvão foi em 1973 dando a entender que esse poema já era conhecido anteriormente.