Primeiras exibições cinematográficas de Teresina (1901-1902)

7/1/2021

Não há consenso sobre as primeiras exibições cinematográficas feitas em Teresina. O cronista A. Tito Filho lembra que na edição de 1° de junho de 1901 (Sábado) do jornal O Piauhy está registrado, sem muitos detalhes, que a primeira do tipo na capital piauiense fora realizada por A. F. Nauman no então Theatro 4 de Setembro (Localizado na Praça Pedro II na época chamada de Praça Aquidabã). O periódico diz que foi em uma “quarta-feira última” a realização do evento. Ou seja, três dias antes da edição do jornal e, portanto, teria ocorrido exatamente no dia 29 de maio de 1901 essa “pioneira emissão fílmica“.

Já outros como o jornal O Artista (Edição de 30 de setembro de 1902), porém, recordam com detalhes que a primeira exibição cinematográfica de Teresina foi em 27 de setembro de 1902 (Sábado) no mesmo Theatro 4 de Setembro e coube, na verdade, a um tal de Bernard Bluhm o pioneirismo.

Notícia de agosto de 1902 sobre a partida de Bernard Bluhm,
junto com o seu cinematógrafo, rumo a Teresina.
(27 de agosto de 1902 / Diário do Maranhão / Acervo digital Teresina Antiga)

Bernard Bluhm era um alemão que vivia em São Luís (Maranhão). Proprietário da Bernard Bluhm & C., havia “criado” um projetor de imagens chamado de Cinematographo Allemão (Nota 1). Em julho de 1902 apareceu o Bioscopio Inglez, máquina de projeção fílmica muito superior que funcionava por meio de energia elétrica. Pertencia ao italiano Giuseppe Filippi (Nota 2) que Bluhm tentou em vão atrapalhar seus negócios gerando sérios desentendimentos.

A briga e a inegável qualidade técnica do aparelho à época, levaram a sociedade e a imprensa de São Luís a preferir o bioscópio. Para evitar a falência, Bluhm se vê forçado a levar seu empreendimento ao interior do Maranhão chegando a Caxias e logo em seguida a Teresina tendo em vista a proximidade geográfica das duas cidades (Nota 3).

Representação de um cinematógrafo Lumière.
O cinematógrafo alemão de Blumn era provavelmente um desses modelos patenteados pelos irmãos franceses.
(Arte: Teresina Antiga)

Conforme citado anteriormente, a passagem do alemão na capital piauiense se deu no dia 27 de setembro de 1902. Porém, o jornal Diário do Maranhão de 27 de agosto de 1902 (Exatamente um mês antes) diz que ele já havia saído de Caxias rumo a Teresina. Teria ele demorado um mês a chegar a nossa cidade? Parece difícil crer nisso. O mais provável era que teria feito outros espetáculos mais em Teresina antes daquele dia de setembro. Outra hipótese é a confusão de datas uma vez que a informação chegou a nós por A. Tito Filho no livro Praça Aquidabã – Sem número (1975) e o autor pode ter se equivocado (Nota 4).

Realmente consta que Bluhm não veio apenas uma vez a Teresina. Realizou mais projeções de filmes por essas bandas como a do dia 2 de outubro de 1902 (Quinta), vindo mais uma vez de Caxias sendo que depois seguiria para Floriano (No sul do Piauí). Na ocasião apresentou quadros animados das cenas da Paixão de Cristo (Nota 5) no Theatro 4 de Setembro que não agradaram, pois o filme estava escuro (Com sombras) e não foi compreendido pelos presentes.

Em 1902, Higino Cunha descreveu o cinematógrafo alemão de Bluhm como “rudimentar”.
(s/d / Acervo digital Teresina Antiga)

Não se sabe muito bem como eram projetados esses filmes em Teresina, mas a julgar pelo que se conhecia em São Paulo e outros lugares do Brasil, era talvez algo parecido com a seguinte descrição: um pano branco alçado na parede, preso com pregos e molhado de tempos em tempos para aumentar a nitidez; e o cinematógrafo ficava no centro do teatro (Em muitos rincões aparecia em feiras, circos ou mesmo na rua), pois era o aparelho, e não exatamente os filmes, que chamava a atenção das pessoas naqueles longínquos anos.

O cinematógrafo de Bluhm foi descrito pelo escritor Higino Cunha (1858-1943) como “rudimentar” e constando de “algumas vistas móveis e fixas“, ou seja, seus filmes (Na época chamados de “vistas” ou “fitas“) consistiam de imagens em movimento (Móveis) ou simplesmente fotografias (Fixos).

Prováveis filmes exibidos em Teresina:
(1) “La Passion” (1898) sobre a Paixão de Cristo;
(2) imagem do funeral do Rei Humberto da Itália (1900).
(Arte: Teresina Antiga)

As produções fílmicas desse período eram curtas, durando alguns segundos ou poucos minutos. Não seguiam uma narrativa e mostravam apenas cenas aleatórias. Quando Bluhm passou por Teresina, em 27 de setembro de 1902 (Sábado), exibiu os seguintes filmes, talvez os “primeiríssimos projetados na cidade”: A noite de núpcias, O homem cachorro e A fumista folgazã (Nota 6).

Consta que exibia os mesmos filmes de São Luís em cidades do interior maranhense e quaisquer outras por onde passava incluindo Teresina e outras do Piauí. Assim sendo, trechos das filmagens dos Funerais do Rei Humberto da Itália (Assassinado em 1900) exibidos em 1902, em Caxias, no velho Theatro Phenix, devem ter sido também um dos filmes vistos aqui na capital piauiense.

Notas:

(1)
Na realidade, depois que os irmãos Lumière patentearam o seu cinematógrafo em 1895, todos os demais aparelhos passaram a ser assim designados. O Cinematographo Allemão, ao que tudo indica, era algum cinematógrafo Lumière adquirido na Europa e com algumas adaptações.

(2) Giuseppe Filippi nasceu na comuna de Montanera (Itália) em 25 de novembro de 1864. Foi precursor do cinema italiano tendo feito a primeira apresentação cinematográfica do país em Milão, em março de 1896. Radicou-se com a família na capital maranhense em 1901 e aportuguesou seu nome para José Filippi (Ou José Filipe). Na Europa se apresentava com o Cinematographo Lumière, mas em São Luís (Maranhão) usou o nome Bioscopio Inglez. Retornou a sua terra natal ainda em 1905 após a morte da segunda esposa no Brasil em decorrência do tifo. Faleceu aos 91 anos, na Itália, em 1956.

(3) A distância entre Caxias (Maranhão) e Teresina (Piauí) é de 70km. Havia uma estrada carroçável que ligava as duas cidades em 1902, porém, Bernard Bluhm viajou, muito provavelmente, por uma estrada de ferro inaugurada em 1895 ligando Caxias ao Povoado Cajazeiras (Hoje Timon, cidade fronteiriça a Teresina e separada desta pelo Rio Parnaíba), que em 1920 formou parte da Estrada de Ferro São Luís-Teresina. Em seguida, Bluhm cruzou o Rio Parnaíba por barca ou pontão tendo em vista que não existiam pontes na capital piauiense (A primeira foi inaugurada só em 1936).

(4) Em outras palavras, A. Tito Filho pode ter se enganado no seguinte: em vez de agosto, teria colocado setembro. O hipotético equívoco poderia ser resolvido simplesmente consultando as edições de agosto/setembro de 1902 do jornal O Artista. Porém, se encontram lacradas no Arquivo Público do Piauí (Em virtude do estado de deterioração) e a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro não possui exemplares desse periódico em questão (Obs.: Não confundir com o jornal O Artista fundado em 1918 pelo extinto Artístico Foot-ball Club, de Teresina).

(5) Provavelmente foi exibido La Passion (1898), um curta-metragem mudo de dez minutos com direção dos franceses Georges Hatot e Louis Lumière. Consta de treze cenas que vão do nascimento de Jesus até a Ressurreição.

(6) Não conseguimos encontrar o paradeiro dessas produções, todas com certeza mudas. Muito provavelmente devem estar perdidas para sempre.