Sorvetes de antigamente em Teresina
28/8/2020
Uma das notícias mais curiosas que já saíram nos periódicos teresinenses do século XIX foi uma sobre degustação de sorvete. Era algo raro principalmente em um tempo onde não existia energia elétrica e nem mesmo refrigeradores em uma cidade com relatos de clima escaldante desde a sua fundação em 1852.
Foi no jornal político A Imprensa, edição nº 29, do dia 10 de fevereiro de 1866, a primeira vez que se tem notícia da presença dessa sobremesa em Teresina. Na ocasião, o público era convidado a apreciá-la em horários específicos (Às 14h e às 19h) no estabelecimento Recreio Theresinense, localizado em uma das esquinas da rua Grande (Rua Álvaro Mendes) com a rua Boa Vista (Nota 1) e de propriedade de João Serafim da Silva.
O anúncio, que seguiu sendo publicado em mais duas edições (Dias 17 e 24 de fevereiro de 1866), dizia que o sorvete era feito por uma “boa machina“. Que máquina seria essa? Era mesmo sorvete?
Anúncio de sorvete em Teresina.
(10 de fevereiro de 1866 / A Imprensa / Biblioteca Nacional / Acervo digital Teresina Antiga)
A história oficial conta que o sorvete apareceu no Brasil na cidade do Rio de Janeiro, em 1832 (Nota 2), através de um enorme carregamento de blocos de gelo trazido pelo Madagascar, navio de Frederic Tudor (1783-1864), comerciante de Boston conhecido como “rei do gelo“ (Nota 3). No Nordeste consta que vendeu toneladas para as províncias da Bahia e Pernambuco. Após descarregado na então capital do Império, o gelo foi armazenado em depósito subterrâneo, coberto com serragem para conservar a temperatura e retirado a quantidade certa para o preparo da iguaria. Em São Paulo, a imprensa noticiou pela primeira vez o sorvete em 1859. Em todos o procedimento era o mesmo, inclusive um horário específico para provar o produto.
Por muito tempo se acreditou que os cariocas da metade do século XIX haviam consumido a famosa “raspadinha” e não o sorvete. Porém, se sabe hoje que ao suco de frutas se adicionava açúcar e algum produto amanteigado como leite ou derivados. Fervia, deixava esfriar e passava depois na tal máquina repleta de gelo.
Muito provavelmente se preparou assim também a guloseima na Teresina de 1866. A existência de uma máquina aumenta mais ainda a probabilidade. Pois se era dessa forma nas principais cidades do Brasil Imperial e em províncias do Nordeste, supõe-se que o mesmo ocorreu em outras localidades do país, entre elas Teresina, logicamente com as devidas proporções. Logo o que foi provado na capital piauiense, em 1866, era mesmo algo semelhante a um sorvete até que se prove o contrário uma vez que não há relatos de como era preparado a exemplo do que se sabia no Rio de Janeiro.
Publicidade do Picolé Amazonas.
(1973 / O Dia / Acervo digital Teresina Antiga)
Antes da década de 1940, os sorvetes eram somente preparados com frutas típicas da estação, de maneira artesanal, e vendidos nas lojas, nas casas ou nos carrinhos por ambulantes. Depois dessa época emergiram os industrializados de morango, chantili e chocolate até desaguar nos dias de hoje com os das marcas Kibon, Bob’s e McDonald’s, além dos inúmeros estabelecimentos vendendo açaí gelado e seus acompanhamentos (Leite condensado, paçoca, leite em pó, frutas, coberturas etc.).
Na Teresina de antigamente se sobressaiu a Sorveteria Amazonas. Localizada no bairro Mafuá (Zona Norte), produz desde os anos 1930 os mais variados sabores do Picolé Amazonas (Milho verde, abacate etc). Por essa década, Augusto Ferro de Sousa adquiriu um grande terreno nas ruas Gabriel Ferreira e Amazonas e edificou aí seu comércio movimentando a região. Após sua morte, seu patrimônio foi vendido e restou apenas a sorveteria em mãos de seu filho Herbert Ferro.
Vídeo da Avenida Frei Serafim e da Sorveteria Elefantinho em agosto de 1990.
(1990 / Acervo de Nilo Martins / Acervo digital Teresina Antiga).
Também ficaram conhecidos por aqui os sorvetes e, principalmente, os picolés da empresa paraibana Maguary. Até então mexia apenas com sucos de frutas, mas no ano de 1970 ingressa no ramo de gelados. Durou pouco tempo, porém marcou uma geração de consumidores na capital piauiense.
Outra que marcou bastante uma geração foi a extinta Sorveteria Elefantinho, localizada em um ponto estratégico da cidade. Em local movimentado, bem na esquina da Avenida Frei Serafim com a Rua Coelho de Resende, podia-se provar os sabores tradicionais como baunilha, creme com passas, morango, flocos e chocolate, passando pelo típico nordestino de tapioca e até o estranho cacetada.
Notas:
(1) Deduz-se que a rua Boa Vista seja a atual rua Simplício Mendes. O Recreio Theresinense, assim, seria onde hoje fica a Loja Riachuelo, no Centro.
(2) Em outros lugares do Brasil consta que o produto já era apreciado. O francês Auguste de Saint-Hilaire, em seu livro “Viagem ao Rio Grande do Sul” (1820-21), relata que José Maria Rita de Castelo Branco (O “Conde da Figueira”, governador da capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul entre 1818 e 1820) havia recolhido bastante neve para fazer sorvete.
(3) O comércio de gelo entre Estados Unidos e Brasil, por intermédio de Frederic Tudor e seus herdeiros, foi importante não só por causa do sorvete no país, mas também no desenvolvimento das fábricas de gelo e na produção de cervejas geladas.