Piauienses no Araguaia
3/11/2023
Militares do Piauí vão ao Araguaia
Entre 1967 e 1974, aconteceu no Brasil a Guerrilha do Araguaia. Membros do PC do B (Partido Comunista do Brasil) abandonaram o meio urbano e se embrenharam na selva amazônica para efetivar futuros ataques ao Regime Militar sediado em Brasília (DF). Para isso, buscavam cooptar a população local do sul do Pará e norte de Goiás (Hoje Tocantins) em uma região conhecida como "Bico do Papagaio".
Alguns piauienses estiveram presentes nesse evento, tanto militares como um guerrilheiro e dois camponeses.
Os primeiros deles foram os militares do 25° Batalhão de Caçadores (Chamado apenas de 25º BC ou popularmente 25 BC, como número cardinal), edificação localizada em um imenso quarteirão no Centro de Teresina, em frente à Praça Marechal Floriano Peixoto, entre a Avenida Miguel Rosa e as ruas Desembargador Pires de Castro, Eliseu Martins e Desembargador Freitas.
25º Batalhão de Caçadores de Teresina.
(1926 / Annuario Estatístico do Piahuy / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Um total de aproximadamente 100 militares do 25º BC (Nota 1), convocados durante a chamada Operação Papagaio, desembarcaram no Araguaia exatamente no ano de 1972 a mando do IV Exército sediado em Recife (PE). Nesse ano, o 25º BC era comandado pelo Tenente Coronel potiguar Eider Nogueira Mendes (1925-2017).
O mais conhecido desses militares que estiveram no Araguaia, foi, com certeza, Guilherme Xavier de Oliveira Neto, ou simplesmente Xavier Neto, nascido em 1947, em Amarante (Às margens do rio Parnaíba e distante de Teresina uns 170km pela BR-343). Teria, inclusive, um acervo de fotos da Guerrilha.
Militares do 25º Batalhão de Caçadores durante desfile de 7 de setembro, em Teresina.
(1976 / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Após a campanha no Araguaia, manteve uma farmácia em Teresina e foi eleito várias vezes deputado pelo Piauí. No segundo governo Alberto Silva (1987-1990), foi Secretário de Segurança e protagonizou com a Polícia Militar agressões a servidores públicos estaduais que faziam manifestação (Devido a meses de salários atrasados) na Praça do Liceu, em 1990. Alguns saíram presos como o falecido escritor Kenard Kruel (1959-2023) (Nota 2).
Era conhecido desde a época do 25° BC como alguém "grosseiro, truculento e que não levava desaforo" sendo conhecidas várias histórias suas assim Piauí afora. (Nota 3). Em 2010, assumiu cargo vitalício de conselheiro no TCE (Tribunal de Contas do Estado do Piauí) e ia, estranhamente e sem necessidade, fazer inspeções in loco. Faleceu em 2012, em um estranho acidente de avião monomotor quando ia fazer uma dessas inspeções em Parnaguá (Sul do Piauí).
Dois personagens simbólicos da época do Araguaia:
Xavier Neto (À esquerda, em 1986), militar do 25º BC;
e o Tenente Coronel potiguar Eider Nogueira Mendes (À direita, em 1972),
comandante do 25º BC , em 1972, quando alguns militares piauienses teriam sido convocados pelo IV Exército do Recife para lutar no Araguaia.
(1972 e 1986 / Acervo digital Teresina Antiga)
Guerrilheiro e camponeses piauienses
Ficou famosa a ideia de que "só os militares foram brutais e os guerrilheiros apenas vítimas". Porém, como bem lembrou o ex-guerrilheiro e hoje político Fernando Gabeira, em 2010, os membros da guerrilha não lutavam por democracia alguma, mas tão só por um outro tipo de ditadura (Nota 4). Os próprios membros do PC do B que chegaram ao Araguaia tinham o Tribunal Revolucionário e decidiam quem deveria morrer ou viver ao que chamavam de justiçamento dando uma ideia da sociedade nada democrática que queriam construir futuramente no país.
Militares prendem camponeses suspeitos de colaborar com os guerrilheiros.
A fotografia é do acervo de Xavier Neto quando esteve no Araguaia.
Obs.: a imagem foi melhorada pelo Teresina Antiga para que ficasse um pouco mais nítida.
(1972 / Xavier Neto / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Inserido no grupo estava Antônio de Pádua Costa. Nascido, em 1943, no município piauiense de Luís Correia (No litoral do Estado), cursava Astronomia na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Foi preso no famoso Congresso da UNE, em Ibiúna (SP), em outubro de 1968, com o codinome Lino, uma provável homenagem a seu pai que tinha Lino no nome (Seu pai se chamava João Lino da Costa).
Libertado mais tarde, viveu na clandestinidade e foi parar no Araguaia, em 1970, mais especificamente na localidade Chega com Jeito (Próxima à cidade paraense de São Domingos do Araguaia - na época um povoado chamado São Domingos das Latas), onde adotou o codinome Piauí, evidente relação ao lugar que nasceu.
Antônio de Pádua Costa, o "Piauí", com foto de quando
foi preso em Ibiúna (SP) e fichado com o número 1261.
Obs.: a imagem foi melhorada pelo Teresina Antiga para que ficasse um pouco mais nítida.
(1968 / Acervo digital Teresina Antiga)
Uma curiosa fotografia foi descoberta, em 1996, por Paulo Fonteles Filho (Militante do PC do B em Belém do Pará) em uma viagem que fez ao Araguaia. Nela, há Piauí agachado junto com o guerrilheiro Tobias. De pé, vários militares à paisana. A fotografia, segundo Fonteles, era de um monóculo (Nota 5) que um militar havia deixado cair no ano de 1976 e um camponês guardou. A presença junto aos militares revela que fora capturado (Em 1974) e começou a colaborar como bate-pau.
Daqui em diante as histórias são controversas. De acordo com o livro "A Lei da Selva", do historiador e jornalista Hugo Studart (Nota 6), o relatório da Marinha afirma que Antônio de Pádua "Piauí" teria sido morto (Justiçado) a golpes de facão pela guerrilheira e sua companheira Maria Célia Côrrea num caso banal de adultério (História totalmente inverídica). Na mesma obra, os camponeses dizem que teria sido preso e executado em 1974 pelos militares.
Foto obtida de monóculo e encontrada em 1996.
Nela, vê-se os militares à paisana de pé.
Agachados, da esquerda para a direita, Antônio de Pádua Costa "Piauí" e Tobias.
Obs.: a imagem foi melhorada pelo Teresina Antiga para que ficasse um pouco mais nítida.
(1974 / Paulo Fonteles Filho/ Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Já em outra obra de Studart, chamada "Borboletas e Lobisomens", Antônio de Pádua "Piauí" e outros seis membros da Guerrilha (Incluindo Tobias, que aparece na fotografia encontrada) foram capturados pelos militares, em 1974, depois teriam sido oficialmente dados como mortos (Teriam sido até apresentados falsos corpos deles!), mas, na verdade, ficariam vivos e receberiam como prêmio nova identidade e nova vida. Não poderiam nem rever familiares. Tratava-se da Operação Mortos-Vivos do Araguaia. A explicação das novas identidades era que desertar e delatar eram consideradas traições ao PC do B. Caso fossem descobertos com vida, seriam mortos conforme o Tribunal Revolucionário (Nota 7).
Consta, segundo as pesquisas de Studart, que Antônio de Pádua "Piauí" e outros ex-guerrilheiros do Araguaia (Maria Célia Côrrea e Luiz Renê) foram acomodados no Ministério da Educação, de Brasília (Nota 8). Posteriormente desligados, cada um foi para um canto. Antônio de Pádua, relata-se, teria ficado em Brasília, tendo trabalhado desde aquela época até a presente data na região. Com outro nome, logicamente.
Studart afirma que os guerrilheiros tiveram sorte, pois desde o Governo Médici havia a ideia de não deixar sobreviventes no Araguaia. Como Médici sairia em março de 1974, aconteceu um "pequeno hiato de poder" que teria mudado o rumo das coisas possibilitando que houvessem sobreviventes. Somado a isso, um dos apanhados na selva era Hélio Navarro Magalhães, filho de comandante da Marinha (Hélio Gerson Magalhães) e também sobrinho de almirante da Marinha (Gualter Magalhães), o que teria pesado bastante na decisão.
Recorte da foto obtida de monóculo e encontrada em 1996
com destaque para Antônio de Pádua Costa "Piauí" e Tobias.
Obs.: a imagem foi melhorada pelo Teresina Antiga para que ficasse um pouco mais nítida.
(1974 / Paulo Fonteles Filho/ Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Sobre os camponeses, é de conhecimento que muitos do sul do Piauí migraram desde a década de 1950 para o Araguaia fugindo da seca e devido à relativa proximidade geográfica.
Entretanto, dos camponeses piauienses que estiveram no local, não constam seus nomes em vários livros sobre o tema, nem no Dossiê Araguaia elaborado pelos militares e muito menos no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos. Há o fato conhecido de que muitas pessoas da época - ou parentes destes - mentem que foram torturadas no Regime Militar com a intenção de abocanhar uma indenização do Estado Brasileiro. Não se sabe se é o caso dos camponeses piauienses, que ganharam, inclusive, um memorial do Governo do Piauí, em 2010. Seus nomes são citados abaixo para registro.
- Simão Pereira da Silva: nascido em Ribeiro Gonçalves (Sul do Piauí, às margens do rio Parnaíba), se radicou no Araguaia e foi preso pelo Exército, em 1973, e, posteriormente, libertado. Faleceu em 1979, em Goiânia. Relata-se que morreu em decorrência das sequelas da tortura que sofreu das quais nunca se recuperou. Em um documento de 1996, do Ministério da Justiça de São Paulo, consta que Simão nasceu no Maranhão e não no Piauí, cujos pais seriam André Fonseca da Silva e Maria Ribeiro da Silva.
- Antônio Araújo Veloso: nascido em 4 de dezembro de 1934, em Bertolínia (Sul do Piauí), fixou-se na localidade Metade (Próxima à cidade paraense de São Domingos do Araguaia) e era conhecido na região como "Siltônio". Foi preso em 1972, acusado de ajudar a Guerrilha. Em Marabá (Pará), foi torturado, provavelmente na Casa Azul, antes pertencente ao INCRA. Faleceu em 31 de agosto de 1976 também devido às sequelas da tortura que sofreu.
Notas:
(1) Sabe-se que é esse número através de uma ação judicial de 2008 movida por 100 militares que foram ao Araguaia, buscando reintegração ao Exército e aposentadoria. Optou-se pela expressão "aproximadamente", pois é possível que alguns sejam de Batalhões de Caçadores de outros estados e ingressaram com ação judicial a partir do Piauí. Ficou-se sabendo também por ela os nomes de alguns que participaram do acontecimento histórico no Araguaia.
(2) Em uma postagem de 2013 do blog do jornalista Deusdeth Nunes "O Garrincha", este diz que a manifestação era de estudantes devido a obras na Praça do Liceu. Ainda sobre a mesma postagem, nos comentários, Kernard Kruel afirmou - em terceira pessoa! - que, na época, "o Secretário da Segurança, então deputado Xavier Neto, deu-lhe um chute com bota de soldado, quebrando-lhe a perna. Mesmo assim ficou sem atendimento médico até a hora em que foi solto." Xavier Neto sempre negou a história acusando de parcialidade a imprensa de Teresina. Segundo ele, certa vez uma jornalista fingiu desmaio para dizer que foi agredida.
(3) Algumas histórias sobre Xavier Neto escutei em dois momentos inusitados. Quando cursei uma disciplina, nos anos 2000, no Centro de Ciências da Educação da UFPI, uma colega de classe chegou chorando na sala. Teria dito a nós (Alunos e professora) que um farmacêutico (Xavier Neto) teria quase matado seu filho pequeno com remédio ou injeção. Após ir reclamar, teria lhe dito que "não estava nem aí se o filho dela morresse". Em outra história, estive em uma barbearia da cidade de Teresina e, após notícia da morte de Xavier Neto, em 2012, um presente ali confidenciou uma situação antiga envolvendo o falecido. Em uma rodovia do interior do Piauí, Neto (Ou alguém que dirigia por ele), havia feito uma manobra que quase resultou em um acidente (O cidadão estava em uma bicicleta, carroça ou carro, segundo a memória não falha). O cidadão teria reclamado de longe e "dado o dedo". O carro com Xavier Neto retornou e teriam, nesse momento, espancado o reclamante.
(4) A fala exata dita por Fernando Gabeira, em 2010, para a Folha de S.Paulo, é a seguinte: “Todos os ex-guerrilheiros dizem que estavam lutando pela democracia. Mas se você examinar o programa que tínhamos naquele momento, queríamos uma ditadura do proletariado. Esse é um ponto de separação do passado. A luta armada não estava visando a democracia, ao menos não no seu programa",
(5) O monóculo é um objeto portátil com lente e ao fundo ficava um fotograma. Ao colocar um dos olhos na lente, poderia se ver a foto. Era muito comum no Piauí até a década de 1980.
(6) Conste que o Teresina Antiga discorda de muitos posicionamentos de Hugo Studart e também não compactua com posicionamentos dos militares e muito menos dos militantes do PC do B.
(7) O militar e ex-ministro Jarbas Passarinho (1920-2016) já tinha relatado essa versão algumas vezes no passado, porém sem lhe darem o devido ouvido. O próprio havia inserido os ex-guerrilheiros com novos nomes no Ministério da Educação.
(8) Antes da Constituição de 1988, era bastante comum entrar no Serviço Público Federal por indicação e não por concurso.
Ajudaram para essa postagem:
# FOLHA DE S.PAULO. Gabeira diz que nem ele nem Dilma queriam a democracia pela luta armada. Acesso em 20 de outubro de 2023.
# FONTELES FILHO, Paulo. Imagem Araguaiana. Acesso em 20 de outubro de 2023.
# STUDART, Hugo. A Lei da Selva: estratégias, imaginário, e discurso dos militares sobre a Guerrilha do Araguaia. São Paulo: Geração Editorial, 2006.
#______________. Borboletas e lobisomens: vida, sonhos e morte dos guerrilheiros do Araguaia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2018.