Metrô de Teresina: o último repositório dos trens húngaros (1988-1991)
17/12/2017
Ganz-Mávag e o comércio com o Governo Brasileiro
Enquanto os militares brasileiros mantinham combate com terroristas de viés marxista no campo e na cidade, o Governo Federal mantinha relações fidedignas de troca comercial com países socialistas da dita Cortina de Ferro (Nota 1). Uma questão no mínimo curiosa que aconteceu também em outros países sul-americanos (Nota 2). O principal parceiro foi a Hungria onde trocávamos produtos agrícolas (Café, por exemplo) e minério de ferro por trens de alta velocidade conhecidos como TUDH (Trem-Unidade Diesel Hidráulico).
Metrô de Teresina: Governador Alberto Silva em um dos
trens húngaros adquiridos do Rio Grande do Sul já com a nova pintura.
(1990 / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
A empresa húngara fornecedora era a Ganz-Mávag que também exportava unidades a outros países do eixo capitalista como Argentina e Nova Zelândia. Esses modelos chegaram ao Brasil em 1973 e foram instalados pela RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima) (Nota 3) para viagens intermunicipais no ano seguinte apenas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. No trecho de São Paulo ao Rio, por exemplo, ficaram inicialmente conhecidos como os primeiros trens-bala brasileiros.
Esses trens, porém, logo se mostraram um fiasco. Em primeiro lugar, foram feitos para trechos planos. Além disso, quebravam frequentemente sendo que a reposição de peças era dificultosa de encontrar até mesmo na própria Hungria. Por esses motivos se tornaram logo obsoletos revelando um dos vários problemas dos regimes comunistas: a falta de competitividade dos produtos os tornavam rapidamente ultrapassados uma vez que dificilmente havia inovação tecnológica.
Metrô de Teresina: Obras de rebaixamento.
(s/d / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Como trens húngaros vieram parar em Teresina?
Em 1974, chegou também ao Rio Grande do Sul, importado via Governo Federal, um total de seis TUDHs da Ganz-Mávag. Semelhantes aos da linha São Paulo-Santos, seriam usados no trecho entre Uruguaiana e Porto Alegre substituindo o antigo Minuano ou Pampeiro, como chamavam os gaúchos. Os novos trens obtidos tinham capacidade para 120 passageiros. Em 1987, as viagens foram completamente suspensas pelos mesmos motivos das unidades de São Paulo e Rio: obsoletos e impossibilidade de repor peças.
Nesse mesmo período, o Piauí vivia o segundo Governo Alberto Silva (1987-1991), que foi bastante conturbado principalmente pelo fato do engenheiro e político parnaibano querer reviver os tempos de vacas gordas da década de 1970 com obras monumentais entre elas o Metrô – ou Pré-metrô ou ainda Metrô de Superfície.
Tal tentativa foi desastrosa, pois, como muitos devem saber, o final dos anos 1980 foi um período de crise no Brasil e o Plano Cruzado não impediu a inflação galopante no país. Não deu outra: a gestão de Alberto Silva culminou com a falência do Banco do Estado do Piauí, atraso no salário dos servidores e pedidos de intervenção federal no estado.
Projeto de um TUDH da Ganz-Mávag idêntico ao Metrô de Teresina.
(s/d / Acervo Ganz-Mávag / Acervo digital Teresina Antiga)
Sabendo do pouco dinheiro que tinha em caixa, Alberto Silva abandonou a ideia inicial de trazer os VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos) da empresa argentina Materfer. Por incrível que possa parecer, resolveu comprar os trens húngaros setentistas da Ganz-Mávag que estavam parados e fora de circulação em Uruguaiana e Porto Alegre. Foram trazidas três unidades de bitola métrica sendo que duas entrariam em atividade e a terceira ficaria de reserva.
Os trens prateados, como ficaram conhecidos inicialmente na capital as unidades da Ganz-Mávag, foram claramente adaptados. A primeira delas dizia respeito ao famoso jeitinho brasileiro: transitar em meio urbano era um grande equívoco quando se sabe que essas unidades não foram projetadas para essa finalidade. As modificações mais visíveis, no entanto, incluíam janelas para ventilação ao forte calor teresinense e o logotipo com o nome Metrô de Teresina. As cores originais da Ganz-Mávag foram praticamente mantidas com algumas ligeiras alterações como, por exemplo, as listras azuis que foram escurecidas (Nota 4).
Como era de se esperar também aconteceram quebras constantes no percurso. Outro inconveniente sentido era que trepidavam muito e eram bastante barulhentos. Mesmo com janelas o calor dentro era insuportável. A falta de cuidado acumulava poeira que irritava olhos e nariz dos passageiros teresinenses.
Alberto Silva e autoridades em um trem da RFFSA
inaugurando a primeira etapa do Metrô de Teresina.
(Fevereiro de 1990 / Jornal O Dia / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Percurso, alterações na cidade e inauguração
Para diminuir os custos foram aproveitados os velhos trilhos da linha da RFFSA que cortam a cidade de Teresina em uma extensão que vai do bairro Matinha ao Grande Dirceu. Para isso seria necessário rebaixar vários trechos principalmente os da Zona Norte e o que compreende a Avenida Frei Serafim. Este último era bastante caótico tendo acontecido vários acidentes já que os trilhos passavam por cima dessa via que era e ainda hoje é muito movimentada.
Alberto Silva e autoridades em um trem da RFFSA
inaugurando a primeira etapa do Metrô de Teresina.
(Fevereiro de 1990 / Jornal O Dia / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
A antiga TV Pioneira (Atual TV Cidade Verde) chegou a noticiar o último acidente na Avenida Frei Serafim envolvendo um trem da RFFSA e um ônibus. As obras de rebaixamento começaram em 1989 por iniciativa da empreiteira Queiroz Galvão e terminaram em fevereiro de 1990.
Acidente entre um trem da RFFSA e um ônibus vindo do município de Barras.
(1989 / TV Pioneira / Acervo da TV Cidade Verde / Acervo digital Teresina Antiga)
A linha possuía inicialmente um total de 15,2 km sendo 9,2 km de linha singela e 6 km de linha dupla contando com três estações de integração e sete estações de paradas exclusivas para recolher os passageiros. É bom lembrar que o projeto original na época já incluía a extensão dos trilhos até a Praça Marechal Deodoro, algo que só foi feito muitos anos depois sob protestos uma vez que desfigurou uma área histórica da capital, além claro da derrubada de carnaúbas antigas ali plantadas. Vale destacar ainda que o governador Alberto Silva pretendia levar o Metrô até o conjunto Parque Piauí, na Zona Sul, algo que nunca foi feito.
A inauguração fora feita exatamente no dia 11 de janeiro de 1991 com a presença de populares, da Polícia Militar do Piauí, lideranças governamentais e o próprio mentor do projeto que ia à frente do trem: o governador Alberto Silva. O protocolo seguiu hasteamento das bandeiras do Piauí e do Brasil e a Banda da Polícia Militar tocando o Hino Nacional.
Inauguração oficial do Metrô de Teresina no dia 11 de janeiro de 1991.
(11 de janeiro de 1991 / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Onde foram parar os trens húngaros de Teresina?
Se atualmente você é usuário frequente ou esporádico do Metrô de Teresina tenha a ciência de que está andando em um trem húngaro de 1973 da Gánz-Mávag comprado pelo Governo Militar Brasileiro. Claro que a CMTP (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) fez uma reforma nas unidades alterando quase tudo e acrescentando motor Scania e ar-condicionado. Algumas unidades desses antigos trens estavam inicialmente abandonadas no Pátio de Manobras da RFFSA no Grande Dirceu. Sob efeito do sol, chuva e outras intempéries, apresentavam ferrugem e sinais evidentes de sucateamento fato visto até mesmo na unidade que operava nos trilhos da capital piauiense em 2003 segundo fotografias tiradas e postadas em sites e fóruns especializados em trens a exemplo da que se pode ver clicando aqui. Mas trata-se, grosso modo, do mesmo trem.
Futuramente, junto com a extensão da linha até a cidade de Altos, será substituído por VLTs semelhantes aos que já operam em capitais nordestinas como Recife e Fortaleza.
Propaganda do Metrô de Teresina publicada na revista Veja.
(1991 / Acervo digital da Revista Veja / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Notas:
(1) Esse fato parece corroborar com alguns estudiosos anticomunistas – ou mesmo com aqueles sem alinhamento político-ideológico – sobre o Regime ao afirmarem que os militares combatiam ferozmente comunistas principalmente no campo armado (As guerrilhas terroristas, por exemplo), e parecia ser negligente com os mesmos em outros campos como no econômico e na cultura.
(2) A Argentina no mesmo período (1973-1974) importou trens da Ganz-Mávag. Já na Bolívia, a Federação e o Governo Militar de Hugo Banzer foram acusados, em 1977, de trocar a classificação da Seleção Boliviana de Futebol na repescagem do Mundial da Argentina 1978 por um placar eletrônico! O adversário era a Hungria que venceu facilmente os bolivianos (6 a 0 em Budapeste e 3 a 2 em La Paz). Verdade ou não, o fato é que logo chegou um placar eletrônico ao estádio Hernando Siles vindo da…Hungria!
(3) A RFFSA foi colocada em desestatização em 1992, liquidada em 1999 e extinta por Medida Provisória em 2007.
(4) José Emílio Buzelin, grande estudioso dos trens brasileiros, afirma que a pintura em listras azuis celestes e o logotipo amarelo da RFFSA entre elas, era uma releitura da bandeira da Argentina. De acordo com ele, é muito provável que a Ganz-Mávag acreditasse que Buenos Aires era a capital do Brasil assim como grafava antigamente e de forma equivocada a Jane’s Book, a grande enciclopédia ferroviária mundial.