Inauguração do conjunto habitacional Mocambinho (1982)

5/6/2015

Assim como várias capitais brasileiras, Teresina teve um grande crescimento populacional durante as décadas de 1960 e 1970 motivado por migrações do campo para a cidade e do interior do Piauí e do Maranhão. O crescimento foi tanto que a população praticamente dobrou nesse período gerando déficits habitacionais.

A solução foi a construção de pequenos e grandes conjuntos habitacionais. Antes da década de 1980 já haviam sido construídos inúmeros deles como o Parque Piauí, o Saci e o Bela Vista I e II na zona sul, e o Itararé (Na região do Grande Dirceu) na atual Zona Sudeste, só para citar alguns exemplos.

Conjunto Mocambinho.
(1982 / Cohab-PI / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)

Todos os conjuntos habitacionais tinham características em comum: habitações simples voltadas para pessoas de baixa renda ou da classe média e localizadas em sítios isolados da cidade, o que dificultou muito a locomoção e as condições de vida.

A propósito desta última característica, uma questão que sempre surge quando se discutem os grandes conjuntos habitacionais em Teresina é por que eles eram – e são ainda – construídos em locais bastante isolados. O órgão encarregado de propiciar a moradia em muitos conjuntos habitacionais teresinenses, entre eles o Mocambinho, foi a antiga Cohab-PI (Companhia de Habitação do Piauí). Era regra da companhia e do BNH (Banco Nacional de Habitação) a inserção deles em lugares isolados, pois com a distância do Centro e/ou das áreas nobres o terreno tende a ser mais barato diminuindo assim os custos. Fora isso ainda garantiria futuramente uma urbanização de áreas adjacentes ao que Governo e Prefeitura chamavam de “áreas de expansão da cidade”.

Perspectiva do Conjunto Mocambinho.
(1979 / Borsoi Arquitetos Associados / Ana Rosa S. N. Feitosa / Acervo digital Teresina Antiga)

Porém, salvo alguns lugares pantanosos, a região nortista da capital já era praticamente toda urbanizada e a construção do conjunto Mocambinho visou mais a ocupação de um específico vazio na Zona Norte. O vazio mencionado era uma propriedade com matagal, palmeiras (Babaçus e carnaúbas) e algumas vacarias, rodeada pelo Rio Poti, por lagoas, pela região da Embrapa e por áreas que se tornaram urbanas como os bairros Buenos Aires – durante muitos anos um dos mais pobres de Teresina – e Alto Alegre.

Ainda em 1979, as construtoras Lourival Parente e Poty, junto com a Borsoi Arquitetos Associados, de Acácio Gil Borsoi (1924-2009), arquiteto idealizador de vários prédios da capital, lançaram o Projeto Mocambinho, espécie de desenho que mostrava como seria o local urbanizado.

Conjunto Mocambinho: moradores retirando pertences após a primeira enchente.
(1983 / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)

A Borsoi Arquitetos Associados apresentou também uma planta de implantação do conjunto habitacional onde se via nitidamente o traçado atual dos Mocambinhos I, II e III, exceto por algumas quadras ausentes no I e outras que nunca foram construídas em razão da ocupação irregular do terreno localizado após a atual parada final de ônibus que mais tarde viria a ser a Vila São Francisco Norte. A planta continha também a estrutura das quadras, das casas, do terreno, das ruas – em estranho formato zigue-zague, depois modificado -, e a localização de praças, do centro comercial e das futuras escolas públicas.

Excetuando as escolas públicas do conjunto habitacional, é interessante notar à guisa de curiosidade e não mais que isso, que no Mocambinho, assim como em todo o Brasil, os nomes oficiais dificilmente se fixaram no linguajar cotidiano dos moradores. A começar pelo nome do conjunto, uma homenagem ao ex-presidente da Cohab, José Francisco de Almeida Neto, e pelas principais avenidas: Avenida Prefeito Freitas Neto, popularmente Avenida Principal, e Avenida Jornalista Josípio Lustosa, popularmente Avenida Central.

Planta de implantação do Conjunto Mocambinho.
(1979 / Borsoi Arquitetos Associados / Ana Rosa S. N. Feitosa / Acervo digital Teresina Antiga)

Foi instalado em uma área de um pouco mais de 200 hectares – provavelmente terras da família Tajra Melo, dona de extensa estrutura fundiária na região – onde havia uma localidade ou fazenda que, segundo a SEMPLAN (Secretaria Municipal de Planejamento), se chamava Mocambinho tendo derivado daí o nome popular do conjunto.

Por definição o vocábulo mocambo (Provavelmente do idioma africano banto, mukambu) se caracterizou historicamente por ser uma habitação rústica e miserável com a função de esconderijo de escravos negros fugidos durante o Brasil Colônia e Império. Talvez na tal propriedade tivesse algum casebre que em alguma coisa lembrasse um pequeno mocambo fazendo com que, por extensão, tudo ao redor ganhasse essa denominação. Porém, essa versão se trata apenas de uma hipótese, já que não foi possível encontrar mais informações. Infelizmente também não se encontraram imagens da localidade/fazenda e é muito provável que nenhum registro imagético dela tenha sido feito.

Conjunto Mocambinho: moradores retirando pertences após a primeira enchente.
(1983 / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)

Quando se fala da construção do conjunto uma das coisas que os moradores do Mocambinho não entendem é o motivo dele ser dividido em setores e ainda mais a ausência de um deles: o D. A edificação das unidades se deu em “etapas setoriais” sendo a primeira o Setor A e partes do B e do C entre 1981 e 1982; o prolongamento dos Setores B e C se deu entre 1983 e 1984; e o Setor E entre 1985 e 1986. O tal Setor D, nunca construído, correspondia ao terreno da Vila São Francisco Norte, ocupado irregularmente por populares como já mencionado antes.

Um total de 3031 habitações foram construídas na primeira etapa sendo inauguradas em 20 de dezembro de 1982 com a presença do governador do estado Lucídio Portella e políticos aliados. A distribuição dos imóveis se dava por meio de sorteio público na sede da Cohab na Avenida José dos Santos e Silva. Muitas pessoas, porém, os obtinham por meio de políticos que facilitavam a aquisição a seus conhecidos ou eleitores, uma prática que ainda hoje persiste.

Conjunto Mocambinho: moradores retirando pertences após a primeira enchente.
(1983 / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)

Feitos de forma padronizada, os imóveis, pelo menos na fachada, eram semelhantes entre si a tal ponto que aos primeiros mutuários era muito difícil distinguir um do outro. A distinção ocorria por coisas aparentemente banais tais como pedras, pequenas plantas, pinturas ou sinais de “X” nas paredes, carros no terreno do vizinho etc. A semelhança era tão grande que é praticamente impossível localizar nas fotos antigas algum ponto atual do conjunto. A similitude era uma das características previstas no projeto do arquiteto Acácio Gil Borsoi.

Embora a semelhança fosse incômoda, boa parte dos mutuários queria mesmo era ter uma casa própria. Mas ao resolver esse problema acabaram ganhando outros mais. O conjunto Mocambinho foi entregue inacabado e em péssimo estado. Algumas unidades não tinham energia elétrica ou água encanada, apenas 01 linha de ônibus coletivo (Da extinta empresa Primavera) servia o local, e não havia telefone público, escola e posto de saúde. Carecia ainda de gás de cozinha e coleta de lixo. Curiosamente, as propagandas governamentais pré-inauguração diziam que o conjunto tinha todas as condições básicas de moradia fato desmentido somente na prática quando muitos haviam sido contemplados com os imóveis e já moravam neles.

As próprias vias por si só eram caóticas. A via de contorno (Avenida Principal) e os únicos caminhos de acesso ao Centro até então existentes (Avenida Duque de Caxias e Avenida Jerumenha) não tinham sequer pavimentação. Eram todas de carroçal ou piçarra o que gerava muita poeira quando passava algum veículo, além de problemas respiratórios nas pessoas. Os moradores relatam que o próprio governador Lucídio Portella, quando veio inaugurar o conjunto, sentiu na pele os efeitos: havia saído de “pestanas empoeiradas” e seu carro preto havia regressado na cor branca.

Aspecto carroçavel da Avenida Principal do Conjunto Mocambinho.
(1983 / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)

Para piorar a situação, no período chuvoso – dezembro a maio, o famoso “inverno teresinense” – aconteceram diversos alagamentos. A primeira enchente ocorreu em fevereiro de 1983 tornando o Mocambinho mais isolado ainda. Muitos moradores perderam móveis e eletrodomésticos. Alguns mudaram para casas não ocupadas que estavam em melhores condições. Outros simplesmente desistiram de morar ali e abandonaram os imóveis.

Outra coisa que causou transtornos no Mocambinho foram as ruas entre os quarteirões feitas em formato zigue-zague. Na verdade, foi um erro de interpretação das construtoras sobre o projeto original. Deveriam ser “passeios públicos” e, portanto, não poderia existir meio-fio, ou seja, a calçada e a “rua” ficariam no mesmo nível. Os passeios eram mais para uso dos pedestres do que para os carros, e a presença deles no projeto caracterizavam a inovadora arquitetura de Borsoi. O equívoco das construtoras teve como consequência a criação de vias tortuosas e estreitas. Quando a Prefeitura as “corrigiu”, tornando-as retilíneas, as ruas realmente estavam um pouco mais largas que as anteriores em zigue-zague, mas mesmo assim ainda era nítida a dificuldade com que veículos de passeio faziam ultrapassagens fato visível até hoje por quem trafega nelas.

Construção das casas do Conjunto Mocambinho.
(1982 / Jornal O DIA / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)

O inicial formato zigue-zague das ruas dificultava também a entrada dos veículos de coleta de lixo. Por esse motivo, o resíduos domésticos não eram totalmente coletados. Muitos moradores não viam outra alternativa a não ser jogá-los em matagais ou áreas com muitas árvores. Um alvo fácil do lixo era o antigo horto florestal do extinto IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), que nessa época não tinha muro, apenas estava cercado com arame farpado e madeiras, e ainda não havia sido transformado em Parque Ambiental ou Jardim Botânico de Teresina.

Como não se bastassem os problemas de ordem estrutural, era dada a notícia de que vários elementos de índole duvidosa estavam rondando o conjunto. Alguns, muito espertos, invadiam casas ainda não ocupadas. Outros cometiam furtos e lances ousados: durante a manhã e parte da tarde levavam roupas estendidas no varal, e na calada da noite arrombavam as portas das residências – com os proprietários dentro! – na intenção de roubar pertences.

Conjunto Mocambinho.
(Dezembro de 1982 / Cohab-PI / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)

Na segunda etapa foram prolongados os Setores B e C, praticamente muito do que se chama hoje de Mocambinho II. Mas a construção mais significativa dessa etapa não estava prevista no projeto inicial: a Avenida Jornalista Josípio Lustosa, conhecida como Avenida Central. Aliás, no original sequer há algo parecido com uma via na área central. Na realidade, era para ser uma “área de integração dos moradores visando o lazer e contato com a natureza”. Devido à presença de areia, ausência de iluminação e ainda a dificuldade dos moradores do centro do conjunto para ter acesso aos pontos de ônibus localizados na Avenida Principal, a Prefeitura resolveu abrir ali, entre 1984 e 1985, a Avenida Central, inicialmente “mão dupla” e atualmente “mão única”. Mas os problemas não tardaram em aparecer. O terreno era suscetível a alagamentos, sendo constantes os problemas de drenagem. O incômodo só foi resolvido após a construção e reconstrução de sucessivas galerias na região por vários anos.

A terceira e última etapa correspondeu ao conjunto Mocambinho III – Setor E. Inaugurado em agosto de 1986 pelo governador José Raimundo Bona Medeiros, contou com 1123 unidades habitacionais. Foram inaugurados também nesse mesmo mês e ano um centro comercial – atualmente é o Centro de Produção do Mocambinho – e uma escola pública entre os setores A e B, a Unidade Escolar Professor Felismino Freitas, inicialmente só com o 1º grau (Ensino Fundamental).

Inauguração do Centro Comercial do Conjunto Mocambinho
com a presença do governador Bona Medeiros.
(1986 / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)

Nome original: Conjunto habitacional José Francisco de Almeida Neto.
Nome popular e adotado oficialmente: Conjunto habitacional Mocambinho.
Inauguração da primeira etapa: 20 de dezembro de 1982.
Financiador: Banco Nacional de Habitação (BNH)
Construtoras: Lourival Parente e Poty Ltda.
Firma de arquitetura: Borsoi Arquitetos Associados.
Arquiteto: Acácio Gil Borsoi.
Engenheiro responsável: Lourival Sales Parente.
Vias principais: Avenida Prefeito Freitas Neto (Avenida Principal) e Avenida Jornalista Josípio Lustosa (Avenida Central). 

Para saber mais:

# BRAZ, Angela. Do projeto à realidade: Sobre as transformações do conjunto habitacional Mocambinho. (Dissertação de Mestrado). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2004.

# FEITOSA, Ana Rosa S. N. A produção arquitetônica de Acácio Gil Borsoi em Teresina. (Dissertação de Mestrado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2012.