Antigas chácaras e quintas de Teresina
4/5/2015
Até a primeira década do século XX, o perímetro urbano de Teresina não alcançava o Alto da Jurubeba, região onde foi edificada a Igreja São Benedito entre 1874 e 1886. Tudo fora dessa área urbanizada era repleto de mata fechada, casebres de palha, e cercas que demarcavam algumas localidades rurais: as chácaras. A antiga Estrada Real (Avenida Frei Serafim), por exemplo, encontrava-se cheia de terrenos cercados até as proximidades do Rio Poti. Chegava-se a eles por meio de veredas de puro carroçal.
As chácaras – ou quintas, assim chamadas em Portugal e a muito tempo atrás no Brasil – são propriedades que ficam fora da cidade, porém não muito longe, e com alguns poucos metros quadrados. Possuem, geralmente, uma edificação como moradia para seus proprietários, além de cultivo de legumes e muitas árvores frutíferas. Algumas também criavam animais. Diferentemente de hoje, não eram localidades que seus donos se refugiavam nos fins de semana para lazer ou fuga do caos da urbe.
Arimathea Tito Filho (1924-1992), um dos renomados cronistas de Teresina, lembra que as chácaras/quintas eram de gente de posses, embora pobres também possuíssem suas terrinhas com seus pomares. Quase sempre o nome dado a elas eram de cidades importantes, batalhas, terras consideradas santas, esposas, enfim, nomes pomposos que lembrassem a grandiosidade que seus donos imaginavam que suas propriedades tinham.
1. Chácara Karnak
Residência particular do Governo do Piauí e antiga Chácara Karnak.
(1926 / Casa da Cultura / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
A construção desta quinta se deu no último decênio da Monarquia, entre 1881 e 1889 (Nota 1). Edificada próxima à Igreja São Benedito, era propriedade de Gabriel Luís Ferreira, que seria governador do Piauí em 1891. Correspondia só à parte central do atual Palácio de Karnak.
No primeiro dia do ano de 1890 começou a funcionar aí um educandário – o Instituto Karnak – com a intenção de preparar alunos para escolas superiores e militares. Com o final da função de escola, foi vendida ao Barão de Castelo Branco que a transformou em sua residência. Este, posteriormente, a vendeu ao então governador João Luís Ferreira, filho de Gabriel Ferreira. Mas o dinheiro pago pela chácara só seria totalmente efetuado com o governador seguinte, Matias Olímpio, que a converteu em Palácio do Governo em 1926. Substituiu a antiga sede que se situava onde hoje fica o Museu do Piauí.
Denominado de Palácio de Karnak, teve que passar pela sua primeira reforma, uma vez que era apenas uma vivenda rústica. Em governos estaduais posteriores o local foi ampliado nas laterais, modificado internamente, e foram inseridos ainda os jardins projetados pelo paisagista paulistano Roberto Burle Marx.
O nome da chácara foi dado pelo próprio Gabriel Ferreira. E aqui há duas teses sobre a toponímia. A mais famosa teoria é que teria sido uma homenagem ao grande templo de Karnak, do antigo Egito, embora tenha colunas em estilo jônico (Grécia). Porém outra história (Nota 2), levantada pelo engenheiro Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, assinala que foi denominada assim devido a uma antiga tribo celta da Bretanha (França), chamada de Karnak, presente no romance Les Mystères du Peuple, lançado pelo francês Eugène Sue em 1849. A obra, vale lembrar, teria sido lida por Gabriel Ferreira.
2. Chácara Tabajara
Região da Igreja São Benedito. No lado direito, a Chácara Tabajara.
(s/d / Casa da Cultura / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Defronte à Chácara Lavinópolis (Ver mais abaixo) ficava a Chácara Tabajara, provavelmente construída junto com os trabalhos de instalação da Igreja São Benedito. Ao contrário das outras esta era uma residência para religiosos.
Propriedade do cônego Joaquim Lopes, frequentemente católicos da cidade vinham se hospedar nela. As irmãs Catarinas, do Colégio Sagrado Coração de Jesus (Colégio das Irmãs), por exemplo, ficaram um tempo na chácara. O mesmo fez o arcebispo de Teresina, Dom Severino Vieira de Melo, em 1924, e muitos capuchinhos em 1939.
A Chácara Tabajara deixou de existir no ano de 1940. Em seu lugar foi inaugurado, em 1941, o Convento São Benedito por iniciativa do Frei Heliodoro. Nas décadas seguintes foi ampliado e ganhou escola primária, templo e salão paroquial.
3. Chácara Araporanga
Unidade do Colégio Pro Campus funcionando no casarão da antiga Chácara Araporanga.
(s/d / Acervo particular Clementino Siqueira/Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Propriedade do desembargador Helvídio Clementino de Aguiar. O término do casarão se deu em 1893. Localizada na atual Avenida Frei Serafim, era considerada, segundo Genu Moraes (1927-2015) (Nota 3), uma das melhores habitações de Teresina. Além dos pomares, criava-se nela animais como galinhas e porcos.
Com a morte do desembargador, em 1936, teve que ser leiloada. Foi arrematada por Pedro de Almendra Freitas, que governaria o Piauí de 1951 a 1955.
A partir de 1981 funcionou no casarão, em contrato de aluguel, uma das unidades do Colégio Pro Campus, de Clementino Siqueira, ex-diretor da APEP (Associação de Professores) entre 1973 e 1979. Foram os últimos suspiros da Chácara Araporanga. Isso porque a família de Pedro Freitas, falecido em 1990, necessitou recursos financeiros e resolveu vender o imóvel. O grupo R. Damásio comprou o local, demoliu e inaugurou em 2001 o Metropolitan Hotel.
4. Chácara Lavinópolis
Chácara Lavinópolis no ano da visita do presidente Afonso Pena.
(1906 / Revista do Norte-MA /Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: Teixeira – Tipografia Teixeira)
Na direção leste, um pouco depois da Chácara Karnak, próxima à Igreja São Benedito e ao Colégio Sagrado Coração de Jesus (Colégio das Irmãs), estava a Chácara Lavinópolis. Era propriedade do farmacêutico Collect Fonseca – Proprietário também da Pharmácia Collect – e o nome dela foi dado em homenagem a sua esposa, Dona Lavínia.
Acima, Dona Encarnadinha Fonseca, a última moradora da Chácara Lavinópolis.
(s/d / Acervo digital Teresina Antiga / Foto por: n/d)
Tratava-se de uma grande área com muitas árvores e um casarão ao centro, cercada por grades de ferro e muretas e colunas de tijolos.
Ficou famosa por três episódios:
(1º) muitos representantes de movimentos em prol da Consciência Negra garantem que o terreno da chácara foi parte de um primitivo cemitério de escravos negros, indigentes e outros desvalidos durante a edificação de Teresina. Teria sido desativado por insalubridade e construído outro no lugar que corresponde hoje ao Cemitério São José;
(2º) teve um hóspede ilustre em 14 de julho de 1906: Afonso Pena, presidente do Brasil de 1906 a 1909. Visitou a cidade acompanhado de Benedito Leite, governador do Maranhão;
(3º) e por Dona Encarnadinha Fonseca, irmã de Dona Lavínia, que passou a habitar praticamente sozinha o lugar levando a estigma de assustadora pela meninada e por seus pais que os aconselhavam a não se aproximar do local devido a uma grave enfermidade que padecia sua moradora.
Após a morte de Dona Encarnadinha Fonseca, a Chácara Lavinópolis ficou anos sem morador e com a pecha de assombrada. Foi demolida anos depois e em seu terreno construído um estacionamento e um posto de combustíveis, ambos presentes até hoje.
5. Quinta Pirajá
Antiga casa de João Mendes Olímpio de Melo e
antiga sede do Fomento Agrícola.
(2015 / Acervo digital Teresina Antiga)
Também chamada de Sítio Pirajá, era conhecida por seus hortifrutigranjeiros. Instalada em terreno do Governo do Estado do Piauí, ficava no norte da capital próxima à Quinta Acarape e ao antigo Matadouro Municipal de Teresina. Todos estes locais estavam fora do perímetro urbano até mais ou menos a metade do século XX. Por lá havia também trilhas de animais, que seriam levados para o abate no matadouro.
A denominação de Quinta Pirajá era uma clara referência à batalha homônima ocorrida na província da Bahia, em 1822, durante as lutas pela Independência do Brasil, como bem lembra Arimathea Tito Filho. O mesmo recorda que surgiu no início do século XX, sendo adquirida pouco depois pelo Governo Federal, em 1909, que instalou no ano seguinte, no mesmo lugar, a Escola de Aprendizes Artífices, subordinada ao Ministério da Agricultura (Nota 4).
A Escola de Aprendizes Artífices funcionou na quinta até 1934 transferindo-se depois para um velho casarão na Praça Aquidabã (Praça Pedro II) até ganhar sede própria na Praça da Liberdade. Entretanto, o Governo Federal seguiu no local. Em 1975, por exemplo, inaugurou ali um instituto de extensão rural, a EMATER, atualmente uma autarquia estadual ligada à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR).
A inauguração do Matadouro Municipal (Em 1929 à beira da velha estrada criada em 1852 para ligar a cidade ao povoado Poty) e de vias, como a “Rua do Pirajá” (Prolongamento da Rua João Cabral), facilitou o loteamento da área e a sua consequente urbanização nos anos seguintes. A região e o entorno da antiga quinta coincidem com parte do atual bairro Pirajá.
Preserva-se na região, atualmente, uma casa com a inscrição "Pirajá". Foi a velha sede do Fomento Agrícola. Porém, antes disso, era a residência de João Mendes Olímpio de Melo (1917-1979) - senador e deputado federal pelo Piauí, prefeito de Teresina e filho do ex-governador Matias Olímpio de Melo (1882-1967) -, uma vez que era engenheiro agrônomo e o terreno, conhecido por seus hortifrutigranjeiros como já foi dito, facilitava seu trabalho.
Notas:
(1) A informação consta em uma placa no atual Palácio de Karnak.
(2) De acordo com Chico Castro em A Coluna Prestes no Piauí (Brasília: Editora do Senado, 2008).
(3) Maria Genovefa de Aguiar Moraes, filha do ex-governador Eurípedes de Aguiar, e neta do desembargador Helvídio Clementino de Aguiar.
(4) Através do Decreto nº 7566, de 23 de setembro de 1909, ficou estabelecida a criação, em todas as capitais dos Estados, de Escolas de Aprendizes Artífices, de ensino profissional primário gratuito. Eram mantidas pelo Governo Federal, por intermédio do recém-criado Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. As escolas deveriam ser instaladas em “edifícios pertecentes à União, existentes e disponíveis nos Estados, ou em outros que pelos governos locais forem cedidos permanentemente“.